segunda-feira, 25 de maio de 2009

Reunião sobre VII Senale


Reunião sobre VII Senale
Brasília – 09/05/2009
Coordenação:
Alessandra Guerra
Cinthia Fernanda
Silvana Conti
Relatoria:
Edna
Lucélia
Lurdinha
1. Informes
Alessandra Guerra, da ABL resgatou os encaminhamentos da reunião realizada em Belém, durante o Fórum Social Mundial, na qual participaram mais de 100 lésbicas e bissexuais e indicou-se Brasília como sede do Senale. Em seguida, houve reunião em Brasília, na qual definiu-se a impossibilidade de o Senale acontecer no DF.
Informou também que Denise, de Porto Velho, participaria virtualmente hoje, via MSN, mas a reunião presencial iniciou-se com muito atraso (aproximadamente 2 horas) e Denise não pode esperar.
Trouxe os informes das lésbicas de Porto Velho sobre a organização do Senale. A comissão organizadora local conseguiu até o momento:
Hospedagem, alimentação e material a ser utilizado no seminário para 100 pessoas;
há possibilidade de aumentar este número se for feito uma busca conjunta de recursos, para isso é necessário que tenhamos nítido que o Senale é de todas nós, assim devemos envidar esforços coletivos na busca de recursos, não deixando tudo por conta das companheiras de Porto Velho.
Que os estados que busquem e consigam passagens que estas sejam distribuídas a partir de critérios construídos nos estados, para que não se exclua as lésbicas e bissexuais com menos acesso a recursos.
Não é possível hospedagem solidária em função das condições climáticas locais, a hospedagem será apenas em hotel.
Proposta de divisão das 100 (hospedagens, alimentação e material) pelos Estados: 3 lésbicas/bissexuais por Estado + as convidadas.
Questões:
- como ampliar este número?
- como fazer para nenhuma rede se sentir prejudicada?
- necessidade de definição da comissão política.
2. Número de participantes e estrutura
Em seguida aos informes abriram as discussões, centradas principalmente na questão do tamanho do Senale, com base na avaliação dos Senales anteriores.
Encaminhamentos:
O VII SENALE deve ter a participação de no mínimo 250 a 300 lésbicas e bissexuais.
Que até o final de junho seja repassado para a lista a perspectiva de estrutura e número de participante para que se avalie na lista o que fazer.
Deverão ser garantidos acessibilidade, interpretes e materiais em braile.
Devem ser definidos critérios para distribuição das vagas para as participantes.
3. Definição do conceito de Senale
Foi resgatado o conceito do que é e para que queremos o Senale.
Definição:
O SENALE é um espaço de escuta, de socialização, de troca, de cultura, de convivência e de fortalecimento do movimentos de lésbicas e bissexuais no Brasil, não se constituindo como encontro de redes.
O SENALE é o espaço maior de deliberação e de construção de agenda política do movimento de lésbicas e bissexuais.
4. Comissão organizadora e comissão política
a. Comissão organizadora: constituída de lésbicas e organizações lésbicas do local sede do SENALE que garantirá a estrutura do Senale.
b. Comissão Política Nacional
A comissão política terá o papel de facilitadora, propositiva, canalizadora para junto com a comissão organizadora local dar direção política ao Senale.
- incidir na direção política do Senale
- critérios de composição:
3 lésbicas/bissexuais por Rede Nacional
3 lésbicas/bissexuais autônomas/ que não estão em nenhuma rede.
Buscar assegurar nas indicações para compor a comissão política nacional a diversidade (geracional, étnica/racial, deficiência, entre outras), e pessoas que tenham experiências em organização de SENALES anteriores.
critérios
étnico racial, geracional, acessibilidade
indicação de que na comissão organizadora estejam pessoas que já organizaram o senale
Observações:
A metodologia será definida após a definição do número de participantes.
Data: 05 a 08 de dezembro de 2009
Lista de Presença (09/05/2009):
Nome
Organização
E-mail
Carmen Lucia Luiz
LBL/SC
carmenlucialuiz@uol.com.br
Lurdinha Rodrigues
LBL/SP
lurodrigues@uol.com.br
Virginia Nunes
Lilás / LBL/BA
virginialilas@yahoo.com.br
Cris Simões
ABL / D’ellas/RJ
crissimoes2002@yahoo.com.br
Alessandra Guerra
LAMCE / ABL/CE
aleguerradesigner@gamil.com
Claudia Matos
GAMI / LBL/RN
claudiaeleide@hotmail.com
Lucelia Macedo
ABL / Mescla
ludimacedo77@gamil.com
Silvana Conti
LBL/RS
silvanaconti@uol.com.br
Ariane Meireles
LBL/ES
arianemeireles@hotmail.com
Rosangela Pimenta
LBL/PE
rosangelapimenta@yahoo.com.br
Roseli Macedo Silva
CANDACES / RN
roseli.candaces@yahoo.com.br
Leda Rego
LEMA / MA
ledarego1@yahoo.com.br
Goretti Gomes
LBL / RN
gamirn@hotmail.com
Janice Alves Rodrigues
ABL / MA
grupoflordebacaba@yahoo.com.br
Edinalva dos Santos Monteiro
Movimento de Lésbicas de Sergipe / ABL
edynalvamonteiro@hotmail.com
Maria Fátima Silva
CANDACES
mariafatimas@hotmail.com
Rosangela Castro
zangecastro@yahoo.com.br
Edna Bordon Lopes
CANDACES Br / MS
ednalopes2001@yahoo.com.br
Laurilene Alvim Lage
CANDACES Br / RS
Veronica Lourenço
CANDACES/LBL / PB
negravera_omim@yahoo.com.br
Roselaine Dias
LBL / RS
roselainesilva.silva@yahoo.com.br
Rosangela Balbino da Silva
LBL / RN
rorobalbino@hotmail.com
Fabiana Franco
LBL / BA
fabianadacruzfranco@gmail.com
Rivania Rodrigues
CANDACES
rivania2007@gmail.com
Cintia Clara Ferreira da Silva
CANDACES
Cintiaclara_10@yahoo.com.br
Carmen Lucia Ribeiro
CANDACES / PI
denovopratu@yahoo.com.br
Marta Almeida
CANDACES
martaalmeidafilha@hotmail.com
Sonia Moraes
Estruturação
secretariageral@estruturacao.org.br
Maria José Ventura
LBL / PI
venturamazer@hotmail.com
Cinthia F. Gomes
cinthia.fernanda@gmail.com
Adneuse Targino
LBL / PB
aditargino2005@yahoo.com.br
Marylucia Mesquita Palmeira
LBL / CE
marymesquita@gamil.com
Continuação da reunião sobre VII Senale
Brasília – 11/05/2009
Neste dia nos reunimos apenas para ler e aprovar o relato da reunião para encaminhá-lo à lista Senale. Mas em função da chegada de novas companheiras, incluindo a companheira Denise Limeira, do Grupo Tucuxi, abrimos para o debate e propostas com base nos informes trazidos por Denise.
Propostas:
Criar a comissão de mobilização do Senale nos estados de forma a garantir a participação mais ampla possível e facilitar a efetivação dos critérios para a seleção de bolsas.
Criar a comissão de comunicação do Senale com o papel de contribuir com a circulação e divulgação das informações de forma ágil; articular e garantir o material de divulgação e comunicação do Senale.
A comissão política nacional junto com a comissão organizadora local será a responsável pela seleção de bolsas para distribuição aos estados seguindo critérios estabelecidos. Nenhuma rede deverá ter privilégios em relação a passagens.
Realizar um pacto de solidariedade entre as 3 redes nacionais de lésbicas e bissexuais e outras redes presentes, considerando também as lésbicas autônomas que não estão em nenhuma rede. O objetivo é garantir que nenhuma rede, grupo, ou lésbica autônoma seja prejudicada ou privilegiada em relação às condições de participação no Senale. Foi marcada reunião para a tarde do dia de hoje, 11/05/2009.
Lista de Presença (09/05/2009):
Nome
Organização
E-mail
Goretti Gomes
GAMI / RN
gamirn@hotmail.com
Janice Alves Rodrigues
Grupo Flor de Bacaba / MA
grupoflordebacaba@yahoo.com.br
Carmen Lucia Luiz
LBL/SC
carmenlucialuiz@uol.com.br
Rita Teixeira
ABL / BA
ritateixeira@rocketmail.com
Roza Bahia
Rede Afro
negonassa@yahoo.com.br
Claudia Matos
LBL / GAMI / RN
claudiaeleide@hotmail.com
Denise Limeira
Tucuxi
denitucuxi@yahoo.com.br
Leda Rego
ABL / MA
ledarego1@yahoo.com.br
Alessandra Guerra
ABL/CE
aleguerradesigner@gamil.com
Rosangela Pimenta
LBL/PE
rosangelapimenta@yahoo.com.br
Silvana Conti
LBL/RS
silvanaconti@uol.com.br
Adneuse Targino
LBL / PB
aditargino2005@yahoo.com.br
Helena Hartkede Oliveira
LBL / RS
hhartke@superig.com.br
Roselaine Dias
LBL / RS
roselainesilva.silva@yahoo.com.br
Maria José Ventura
LBL / PI
venturamazer@hotmail.com
Cris Simões
D’ellas / ABL / RJ
crissimoes2002@yahoo.com.br
Veronica Lourenço
LBL / PB
negravera_omim@yahoo.com.br
Carmen Lucia Ribeiro
LBL / PI
denovopratu@yahoo.com.br
Cintia Clara Ferreira da Silva
CANDACES
Cintiaclara_10@yahoo.com.br
Roseli Macedo Silva
CANDACES / RN
roseli.candaces@yahoo.com.br
Edna Bordon Lopes
CANDACES-br / MS
ednalopes2001@yahoo.com.br
Laurilene Alvim Lage
CANDACES BR / RS
Yone Lindgren
D’ELLAS / ABL /ABGLT
yonelindgren@yahoo.com.br
Rivania Rodrigues
CANDACES-BR / PE
rivania2007@gmail.com
Claudia Café
Rede Afro / BA
klaudiabaiana@yahoo.com.br
Lucelia Macedo
ABL / Mescla
ludimacedo77@gamil.com
Edinalva dos Santos Monteiro
MOLS - Movimento de Lésbicas de Sergipe / ABL
edynalvamonteiro@hotmail.com
Rosangela Balbino da Silva
LBL / RN
rorobalbino@hotmail.com
Cinthia F. Gomes
cinthia.fernanda@gmail.com
Lurdinha Rodrigues
LBL/SP
lurodrigues@uol.com.br

Fernanda interpreta Simone de Beauvoir em sua nova peça.


Revista BRAVO! Maio/2009

“A vida é um Demorado Adeus”
Às vésperas de comemorar 80 anos, Fernanda Montenegro leva para os palcos o legado da escritora Simone de Beauvoir.

Passava um pouco das 21 horas quando, naquele sábado de Aleluia, Fernanda Montenegro disse as últimas frases do monólogo Viver sem Tempos Mortos. Por 60 minutos, a atriz carioca interpretara Simone de Beauvoir (1908-1986) para as 350 pessoas que lotavam o teatro do Sesc em São João de Meriti, humilde e populoso município da Baixada Fluminense. Entre os que aplaudiam, destacava-se Wilson Ademar, negro de 93 anos, sapateiro aposentado, que nunca presenciara uma peça antes. Tão logo tomou conhecimento do espectador inusitado, Fernanda se comoveu e indagou publicamente: "O que o senhor imaginava toda vez que pensava num palco?". Wilson, tímido, respondeu: "Eu não imaginava".

Pois é sobretudo com a imaginação da plateia que a atriz parece contar enquanto incorpora a filósofa e escritora parisiense, ícone do feminismo e parceira de outro célebre filósofo, o existencialista Jean-Paul Sartre. Na mais despojada produção que estrelou em seis décadas de carreira, Fernanda vira Simone sem lançar mão de elementos que remetam fisicamente à personagem. Não há sotaque, não há trejeitos característicos, não há nem mesmo um figurino afrancesado. Com uma camisa social branca e uma calça preta, a atriz senta-se numa cadeira igualmente preta, único objeto em cena, e permanece lá durante toda a montagem, sob um persistente foco de luz. Narra, então, os principais momentos da intensa trajetória de Simone. Fala sempre na primeira pessoa, usando depoimentos da própria romancista, extraídos de livros e cartas.

O monólogo dirigido por Felipe Hirsch, que já percorreu a Baixada e a região serrana do Rio de Janeiro, desembarca agora em São Paulo como parte de um evento maior, batizado de Caminhos da Liberdade. A iniciativa prevê que, antes do espetáculo, o público assista a Uma Mulher Atual, documentário de Dominique Gros sobre Simone, e, depois, participe de um debate conduzido pela socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, especialista no legado da filósofa.

De início, Fernanda planejava tocar o projeto com o ator Sergio Britto, que assumiria o papel de Sartre. No entanto, o colega preferiu desistir da empreitada para se dedicar à peça A Última Gravação de Krapp e Ato sem Palavras I. A atriz, que completa 80 anos em outubro, acatou a decisão e prosseguiu sozinha. No percurso, perdeu o marido, o também ator Fernando Torres.
Quem vê Simone discorrer sobre Sartre ao longo do monólogo dificilmente deixa de cogitar que talvez exista um subtexto ali — que talvez Fernanda esteja refletindo sobre o próprio companheiro, um modo delicado de absorver e superar a morte dele. No domingo de Páscoa, a artista recebeu a equipe de BRAVO! para uma conversa de quatro horas.
BRAVO!: Quando você entrou em contato com Simone de Beauvoir e os existencialistas?
Fernanda Montenegro : Logo depois da Segunda Guerra, no fim dos anos 40 e início dos 50. Era um período em que Simone e Jean-Paul Sartre despontavam como celebridades, como popstars. Todo mundo do meio artístico e intelectual queria entender o que pensavam. Eu, à época, trabalhava para a Rádio Ministério da Educação, a lendária Rádio MEC, que já se localizava no centro do Rio de Janeiro. Ingressei ali em 1945, ainda adolescente, por causa de um projeto que recrutava novos locutores, redatores e atores. Fiz o teste, uma leitura de poema, sem botar fé que me chamariam. Mas me chamaram e acabei passando uma década na emissora. Jamais imaginei que encontraria por lá um universo tão rico culturalmente. Tínhamos aulas de português e de declamação, além de palestras sobre os assuntos que abordávamos no ar. Por longo tempo, desfrutei do privilégio de apresentar o programa dominical Douce France (Doce França). Em função disso, pude me aproximar ainda mais das teses de Sartre e Simone.
Qual o primeiro livro dela que você leu?
Foi O Segundo Sexo, que saiu em 1949 e se transformou num clássico da literatura feminista, sobretudo por apregoar que as mulheres não nascem mulheres, mas se tornam mulheres. Ou melhor: que as características associadas tradicionalmente à condição feminina derivam menos de imposições da natureza e mais de mitos disseminados pela cultura. O livro, portanto, colocava em xeque a maneira como os homens olhavam as mulheres e como as próprias mulheres se enxergavam. Tais ideias, avassaladoras, incendiaram os jovens de minha geração e nortearam as nossas discussões cotidianas. Falávamos daquilo em todo canto, nos identificávamos com aquelas análises. Simone, no fundo, organizou pensamentos e sensações que já circulavam entre nós. Contribuiu, assim, para mudar concretamente as nossas trajetórias.
De que modo alterou a sua?
Sou descendente de italianos e portugueses, um pessoal muito simples, muito batalhador, e me criei nos subúrbios cariocas. Desde cedo, conheci mulheres que trabalhavam. E reparei que, entre os operários, na briga pela sobrevivência, os melindres do feminino e as prepotências do masculino se diluíam. Era necessário tocar o barco, garantir o sustento da família sem dar bola para certos pudores burgueses. Nesse sentido, a pregação feminista de que as mulheres deviam ir à luta profissionalmente não me impressionou tanto. Um outro conceito me seduziu bem mais: o da liberdade. A noção de que tínhamos direito às nossas próprias vidas, de que poderíamos escolher o nosso rumo e de que a nossa sexualidade nos pertencia. Eis o ponto em que o livro de Simone me fisgou profundamente. Lembro-me de quando vi pela primeira vez a cena da bomba atômica explodindo. Ou de quando me mostraram as imagens dos campos de concentração nazistas. O impacto negativo que aquilo me causou foi parecido com o impacto positivo que O Segundo Sexo exerceu sobre mim. Garota, já suspeitava que não herdaria o legado de minha mãe e de minhas avós, que não caminharia à sombra masculina. O livro de Simone me trouxe os argumentos para levar a suspeita adiante.
Sua mãe trabalhava fora?
Não. Era uma ótima dona de casa, uma administradora emérita do lar. Cuidava com carinho e eficiência de meu pai, um modelador mecânico, e das três filhas. Quando ficou viúva, caiu em depressão. Tinha mais de 80 anos e procurou uma psicanalista. Expôs as angústias à terapeuta e depois a ouviu, ouviu, ouviu. De repente, interrompeu a conversa e revelou: "Doutora, sabe do que gostaria mesmo? De liberdade". Veja bem: minha mãe precisou chegar à extrema velhice para conseguir expressar o que de fato almejava. Escutei testemunhos similares — e tardios — de outras mulheres idosas, como a minha sogra. Elas integravam uma geração que suportava a dor em silêncio, sem reclamações. "Caráter e espinha", proclamava minha mãe quando lhe indagavam quais os principais atributos femininos. Espinha para se curvar, compreende?
Os existencialistas teorizaram bastante sobre a liberdade humana. Diziam que "o homem será antes de mais nada o que desejar ser". Você concorda?
Concordo. Somos os senhores de nossos atos, de nossas opções. "Deus ajuda quem cedo madruga", ensina o ditado popular. Se o homem não inventar o próprio destino, Deus não irá interferir.
Você crê em Deus? Simone não acreditava.
Ora acredito, ora desacredito. Ninguém me demonstrou a presença de Deus. Tampouco demonstrou o contrário. Eu talvez cultive uma fé imensa em meio à dúvida. Por outro lado, creio plenamente no acaso.
O homem nasce livre, mas o acaso tem a última palavra, dizia Simone.
Exato. O acaso se põe acima de qualquer teoria. É o grande mistério e a principal razão para a misericórdia. Os homens deveriam se irmanar justamente porque se sujeitam, todos, às leis insondáveis do acaso. O que me fez entrar na Rádio MEC com 15 anos? O que me fez superar a timidez juvenil e concorrer às vagas de locutora e atriz? Foi o acaso, em parte. Havia a minha vontade e havia o imponderável. Se tomasse outro rumo naquela ocasião, em quem iria me transformar? Não sei. Sei apenas que hoje me encontro onde sempre quis. Vivi sem tempos mortos.
Um slogan de maio de 1968: "Viver sem tempos mortos, gozar a vida sem entraves". Você pinçou um trecho dele para batizar sua peça, não?
É que realmente vivi sem tempos mortos, algo de que me orgulho. Mergulhei com avidez na existência que ganhei de Deus, da natureza ou do acaso. Realizei uma profissão que considero importantíssima — subir no palco para converter meu corpo em instrumento de discussões. Nunca roubei, nunca matei. Se impedi alguém de alcançar a felicidade, não me dei conta e peço desculpas. Peço perdão até. Não me julgo perfeita. Longe de mim! Carrego minhas zonas escuras, mas também umas zonas legais. Então... Elas por elas.
Que zonas escuras?
Sou rancorosa. Lógico que rejeito o sentimento e me policio: "Vamos largar de besteira!". No entanto... Ressinto-me igualmente de não ter mais disponibilidade para os amigos e a família. Às vezes, exagero na reclusão. Distancio-me de meus afetos. Quando penso nos colegas que se foram e na atenção insuficiente que lhes dediquei... Flávio Rangel, Renato Consorte, Paulo Gracindo, Lélia Abramo, Zilka Salaberry, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Autran... Convivi tão pouco com o Autran... Sorte que, às vésperas de morrer, ele me mandou uma carta, comovido. Falava de coisas doces. Foi provavelmente a última carta que redigiu. A vida não passa disso, de um demorado adeus.
Em setembro de 2008, você assistiu à morte de seu marido, o ator e produtor Fernando Torres, companheiro de quase seis décadas. Como lidou com o fato?
Não lidei. Continuo lidando... Jamais a sensação do absurdo se mostrou tão palpável, tão nítida. Você não aceita aquele virar de página. Você nega a partida. O engraçado é que só me toquei de minha finitude depois de perder o Fernando. Claro que, antes, me observava no espelho e acusava a passagem dos anos. Mas não percebia que meu tempo está se esgotando, uma constatação terrível. Experimentar o desmonte psíquico, o desmonte muscular, o desmonte existencial... Não me parece fácil. Por enquanto, tudo vai bem. Disponho de vitalidade e ânimo para prosseguir. Consigo trabalhar 14, 18 horas por dia. Noto, porém, que algumas pessoas já me olham com assombro: "Ainda fala! Ainda se locomove!". Tornei-me um estranho fenômeno de resistência, como outros de minha idade. Mesmo assim, acho que a pior tragédia é morrer jovem. Não há nada mais triste do que a vida interrompida precocemente.
Fernando concordava com as ideias defendidas por Simone em O Segundo Sexo?
Sim, totalmente. Era um homem de tutano, de fibra, um homem libertário que recusava o machismo. Enfrentou meu sucesso e minha personalidade forte à maneira de um gigante. Em nenhum momento me castrou. Pelo contrário: me incentivou muito e, na função de produtor, buscou criar as melhores condições para meu progresso como atriz. Certas vezes, me vendo no palco, chorava de emoção. Se minhas conquistas o incomodavam, não deixou transparecer — atitude que considero de uma grandeza absoluta. Infelizmente, sofreu por 20 anos em razão de uma isquemia cerebral que, primeiro, lhe trouxe depressões violentíssimas e, depois, lhe prejudicou os movimentos. Um quadro tão terrível quanto inesperado. Uma armadilha do acaso. Meses antes de morrer, fez questão de me aguardar no aeroporto quando retornei de uma viagem à Itália. Estava contente e me acenou da cadeira de rodas. Segurava um buquê de flores. Perguntei: "Por que as flores, Fernando?". E ele: "Porque nosso terceiro neto acabou de chegar". Recebi a notícia do nascimento de Antônio assim, com flores.

Simone e Sartre protagonizaram uma relação aberta e se cercaram de vários parceiros sexuais. Você e Fernando viveram um casamento semelhante?
Não. Firmamos um pacto de fidelidade, que deveria se manter até onde desse. E deu! No meu caso, deu. Todas as minhas fantasias extraconjugais resolvi em cena, sem amargar qualquer frustração. Se por ventura não deu para o Fernando, respeito. Fomos transgressores à nossa moda, percebe? Qual a maior subversão que um casal pode praticar nos dias de hoje? Permanecer junto! Nós permanecemos — com altos e baixos, mas permanecemos.
Simone não teve filhos. Você gerou dois, a atriz Fernanda Torres e o cineasta Cláudio Torres.
Maternidade e feminismo combinam?
Certamente. Mesmo orbitando em torno do ideário feminista, sempre desejei uma família. Nunca desprezei "o orgulho da carne". E não me arrependo: acima de tudo, sou a mãe de meus filhos. Mais que atriz, mais que a viúva do Fernando, sou a mãe de meus filhos.
Por que você resistiu à plástica, seguindo na contramão de tantos artistas? O feminismo a influenciou nesse terreno?
Não me oponho às cirurgias estéticas nem condeno quem as faça, mas receio perder minha cara. Óbvio que, à beira dos 80, gostaria de exibir um pescoço maravilhoso, eliminar as bolsas abaixo dos olhos, implodir a papada sob o queixo. O problema é que não me reconheceria sem tais "defeitos". Fora que, aderindo à plástica, ganharia uns dez anos e, em vez de ostentar 80, recuaria para 70. Qual a vantagem?
Você se julga bonita?
Ultimamente, quando espio fotos em que apareço jovem, enxergo certa graça ali. Na época, porém, me achava um estrepezinho — magra, sem peito, sem bunda, sem coxas. Eu fugia muitíssimo do padrão. Não me equiparava às beldades daquele momento: Doris Day, Marilyn Monroe, Tônia Carrero, Maria Della Costa. O curioso é que nem por isso me sentia inferior. Numa ocasião, a companhia de Henriette Morineau me contratou para assumir o papel de uma feiosa em um espetáculo — não lembro o nome da peça. Minha personagem rivalizava com uma prima linda e fogosa, um anjo exterminador, um furacão que seduzia o tio, os namorados alheios, o diabo. Num dos ensaios, arrumei coragem e confessei que não queria interpretar a feiosa. Queria encarnar o anjo exterminador. O resto do elenco me chamou de louca. Pois acabei pegando o papel e afirmo, com enorme alegria, que ninguém protestou na plateia. Ninguém ousou dizer que aquele estrepezinho não seria capaz de enfeitiçar deus e o mundo.
Já idosa, Simone declarou que não se deixaria escravizar pelo passado. Você também parece não se prender às glórias de outros tempos e abdica de títulos que a colocam em pedestais, como o de "primeira dama do teatro brasileiro". Por quê?
Entenda: prezo tudo que realizei, mas o passado é o passado. Terminou. Não pretendo me entregar às divagações do tipo "ah, meus verdes vales...". Rechaço a melancolia nostálgica e, à semelhança de Simone, frequentemente me pergunto: "Que espaço o passado reserva para a minha liberdade hoje?". Quanto à classificação de "primeira dama", não me ofendo. Em absoluto! Só avalio que o rótulo não me cabe. Vi e vejo atrizes extraordinárias na estrada. Não é possível que apenas uma envergue a coroa. Precisamos dividir os louros. Sem contar que a mídia e os críticos mencionam sempre as damas e nunca os lordes. Cadê os lordes? Nossos palcos estão repletos deles. Na verdade, títulos do gênero são a herança de um teatro romântico, heroico — um teatro que jamais busquei. Uma vez, a Nandinha, minha filha, filmou no México com o Anthony Hopkins e me escreveu de lá: "Mamãe, ele é igualzinho a gente". Correto! O ofício não nos tira do âmbito humano. Continuamos falíveis como qualquer indivíduo. Mesmo as divas tropeçam em cena, sofrem acessos horríveis de tosse, esquecem o texto, temem não dar conta do recado.
Você teme?
Muito! Desde moça, temo que me falte o sopro, o mistério da criação. Há artistas que perdem a chama de repente, sem saber o porquê. Não tenho consciência se já a perdi. Sinceramente não tenho. E talvez nem deseje ter.
A PEÇAViver sem Tempos Mortos. Monólogo sobre Simone de Beauvoir. Direção: Felipe Hirsch. Direção de arte: Daniela Thomas. Com Fernanda Montenegro. Sesc Consolação (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, 0++/11/3234-3000). De 20/5 a 28/6.