sábado, 23 de janeiro de 2010

Em panfleto, CNBB chama Lula de "novo Herodes" por plano de direitos humanos

Rosanne D'Agostino
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Herodes, aquele que, segundo a Bíblia, ordenou a "matança dos inocentes", é como a Igreja Católica agora denomina o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em panfleto distribuído em São Paulo contra pontos dos quais discorda no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em dezembro pelo governo.

No livro de São Mateus, Herodes ordena o extermínio de todas as crianças menores de dois anos em Belém, na Judeia, para não perder seu trono àquele anunciado como o recém-nascido rei dos judeus, Jesus Cristo. Para a igreja, o "novo Herodes" autorizará o mesmo extermínio anunciando-se a favor da descriminalização do aborto.

No panfleto, intitulado "Presente de Natal do presidente Lula", a Comissão Regional em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), contesta este e outros pontos do já polêmico plano. "Herodes mandou matar algumas dezenas de recém-nascidos (Mt 2,16). Com esse decreto, Lula permitirá o massacre de centenas de milhares ou até de milhões de crianças no seio da mãe!", incita o documento.
A comissão que começou a distribuir panfleto divulgou uma nova versão

Segundo Dom José Benedito Simão, presidente da comissão e bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo, a igreja não é contra o plano em sua totalidade, mas considera que quatro deles "agridem" os direitos humanos. Além da questão do aborto, são eles: união civil entre pessoas do mesmo sexo, direito de adoção por casais homoafetivos e a proibição da ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União.

"Não é uma campanha contra o projeto, mas alguns pontos em que acreditamos que ele agride e extrapola os direitos humanos e o direito à vida", critica Dom Simão. "O que nós contestamos é a falta de sensibilidade desse decreto, que funciona como um projeto, e não ajuda em nada ao Estado Democrático de Direito em que queremos viver. Não queremos cair em outra ditadura. Esse decreto é arbitrário e antidemocrático", completa.

Segundo Dom Simão, que também é bispo da Diocese de Assis, no interior de São Paulo , a intenção é ampliar a distribuição e divulgação do panfleto em todas as cidades do Estado e também pela internet. "Ele [o plano] não está a favor do Brasil. Agora vem o presidente dizer que não sabia, que assinou sem ler? Como vai assinar se não leu?"

Sobre a questão da retirada dos crucifixos, o bispo defende que não somente os símbolos da Igreja Católica estejam presentes, como também o de outras religiões. "Nós não queremos que retire, queremos é que se coloquem mais símbolos ainda. A igreja sempre defendeu os direitos humanos e vai apoiar o governo em tudo o que for a favor da vida. Mas esse plano tem que ser revisto sim. O governo só reviu a questão dos militares, mas nesses quesitos não está querendo rever. Que princípios o governo quer defender com esse projeto?"

A CNBB nacional também criticou os mesmos pontos no programa, por meio de nota oficial. Mas sua assessoria de imprensa disse desconhecer a distribuição d o panfleto, alegando que o regional tem autonomia para determinadas ações, que não precisam passar pelo seu crivo. A assessoria informou ainda que a CNBB nacional não irá se manifestar sobre o panfleto.

O Regional Sul 1 também informou que a comissão tem autonomia e que o panfleto não precisaria ser aprovado pelo presidente da sede para ser distribuído. O regional coordena oito subregionais: Aparecida, Botucatu, Campinas, Ribeirão Preto 1, Ribeirão Preto 2, São Paulo 1, São Paulo 2 e Sorocaba, cada uma delas englobando pelo menos quatro cidades do Estado.

O UOL Notícias entrou em contato com a Presidência da República. A assessoria de imprensa informou que o governo não irá se pronunciar.

Em busca de direitos
A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que congrega 220 organizações congêneres, apoia o programa de direitos humanos. Em not a oficial, o presidente da entidade, Toni Reis, afirma que a associação participou da elaboração e defende que "os direitos sexuais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são direitos humanos e, por isso, direitos fundamentais a serem respeitados em uma sociedade democrática".

Atualmente, o aborto é considerado crime no Brasil, exceto em duas situações: gravidez decorrente de estupro e quando há risco de morte à mãe. No Código Penal, o aborto é enquadrado como crime contra a vida, com penas que variam de um a 10 anos de prisão.

O casamento homossexual também não é permitido, mas a união civil entre pessoas do mesmo sexo está em vias de ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A adoção por casais homoafetivos ocorre, mas é rara. Faz parte de uma jurisprudência ainda minoritária, formada por decisões favoráveis em primeira instância com base no direito constitucional à família.

O polêmi co plano
Aprovado em dezembro, o PNDH-3 traça recomendações ao Legislativo para a futura elaboração de leis orientadas a casos que envolvam os direitos humanos no país. Um dos pontos mais controversos prevê a criação de uma Comissão da Verdade, para investigar casos de violação de direitos humanos durante a ditadura militar.

A medida gerou desentendimentos entre militares e a pasta de direitos humanos, e culminou em uma alteração no plano, assinada por Lula no último dia 14, suprimindo a expressão "repressão política", para englobar qualquer conflito no período.

A mudança não encerrou a discussão, já que outras polêmicas foram mantidas, como a tentativa de controle da imprensa e a não repreensão às invasões de terra, alvos de críticas de entidades como a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Em nota, a Secretaria Especi al dos Direitos Humanos da Presidência da República, que elaborou o programa, diz que ele incorpora propostas aprovadas em cerca de 50 conferências nacionais, realizadas desde 2003, e que sua versão preliminar esteve disponível durante 2009 para sugestões e críticas.

Os coloridos

Maria Berenice Dias
Advogada especializada em Direito Homoafetivo
www.mbdias.com.br
www.mariaberenice.com.br
www.direitohomoafetivo.com.br

Ninguém entende bem este fenômeno, mas que é uma realidade é: todo mundo adora saber da vida alheia!
Talvez esta seja a singela explicação para o sucesso do BBB - Big Brother Brasil, reality show agora na sua décima edição.
Os participantes, em sua grande maioria, são jovens cheios de sonho, de diversas origens e distintas condições sociais e culturais. Eles não se conhecem, mas têm algo em comum, todos querem ganhar o cobiçado prêmio. Para isso não podem ter nenhuma dificuldade em se expor, pois, ao aceitarem o desfio de serem vigiados 24 horas por dia, abrem mão da própria privacidade.
Na casa, ninguém tem compromisso com nada e ninguém, e não precisa ter preocupação sequer com a própria subsistência. Naquela verdadeira ilha da fantasia, tudo é permitido, intrigas, brigas e romances, em um contexto de muita festa e licenciosidade.
A cada edição algumas mudanças ocorrem ainda que o espírito de competitividade permaneça sendo a tônica. A preocupação de cada um para lá permanecer é cair nas boas graças do povo, único critério seletivo para ter a chance de sair vitorioso. Os espectadores acabam desempenhando o papel de deuses, pois têm a possibilidade de expulsar qualquer morador daquele paraíso.
Na edição que acaba de iniciar, de forma absolutamente surpreendente foram selecionados três integrantes da população LGBT: uma lésbica, um gay e um travesti que atua como drag queem, formando o grupo chamado "os coloridos".
Depois da vitória do Jean, na 5ª edição do BBB, um personagem discreto que só revelou sua orientação sexual quase no final do programa, a mudança é radical. Ao menos nesta bolha que retrata um mundo ideal, o preconceito não existe. De ninguém é excluído o direito de viver em um mundo que procura retratar as pessoas como elas são.
Como a televisão está presente na grande maioria dos lares, é significativo que todos vejam que há a possibilidade de um convívio respeitando as diferenças. Todas as pessoas são iguais, pois todas elas, sem exceção, só querem ter a chance de ser feliz.
Certamente deste compromisso tomou consciência a produção do BBB ao permitir que os brasileiros apreendam a ser tolerantes e a conviver com o outro sem discriminar, agredir ou matar pelo só fato de o outro ser diferente.
Diante de uma sociedade ainda tão homofóbica, em que a diversidade sexual não é respeitada e a homoafetividade ainda não obteve reconhecimento legal, a experiência só pode ser promissora. Afinal, "big brother" significa "grande irmão" e a fraternidade precisa mesmo ser cultivada.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

NOTA PÚBLICA:ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS

ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS

NOTA PÚBLICA
A Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), movimento feminista que reúne mais de vinte fóruns, redes e articulações estaduais de mulheres e, através destes, articula centenas de organizações, grupos, ONGs e movimentos de mulheres em todo o território nacional, vem a público manifestar seu apoio ao Programa Nacional de Direitos Humanos III (PNDH III) e expressar os nossos cumprimentos ao Ministro Vannuchi, que mesmo sabendo dos riscos que correria por parte da ofensiva conservadora brasileira, optou por ser fiel aos anseios dos milhares
de pessoas que participaram da construção do PNDH III.

Fruto de um amplo processo participativo que envolveu debates, seminários, conferências e negociações do qual participaram milhares de representantes do governo e de diversos setores da sociedade civil, o PNDH III representa um avanço substantivo na efetivação dos direitos humanos como política de Estado, essencial para a construção de um país verdadeiramente democrático.

O PNDH III toca em questões fundamentais para a justiça social e a democracia, dentre as quais a democratização da propriedade e dos meios de comunicação, a revisão de leis do período da ditadura militar que embasaram violações de direitos humanos, a efetivação da laicidade do Estado, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a descriminalização do aborto.

Em meio a pressões dos setores conservadores e fundamentalistas, o presidente Lula, infelizmente, aponta para a revisão do PNDH III, tanto no que se refere à punição de torturadores na ditadura militar, como na revisão da lei que pune o aborto no Brasil, que segue a mesma desde 1940, alegando que o Plano, neste ponto, não expressa a posição do governo.

Esta afirmação é no mínimo estranha, considerando que o PNDH III foi assinado por trinta e um dos(as) trinta e sete ministros(as) do governo e construído ao longo de um ano, tendo como marco inicial os debates da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos e tendo permanecido por meses no site da Secretaria de Direitos Humanos para consulta nacional.

Pode ser que o PNDH não expresse a posição pessoal do presidente Lula, que é de foro íntimo e se ampara em crenças religiosas, mas, certamente, ele expressa a posição da maioria das mais de 14 mil pessoas que participaram da elaboração do plano. Isto porque o Plano deve expressar as resoluções de uma política de Estado – laico, no caso do Brasil – e o compromisso deste com a efetivação dos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres, que são violados quando não se assegura às mulheres a autonomia sobre seu próprio corpo e reprodução. A descriminalização e a legalização do aborto são mais que questões de saúde pública. Significam a garantia de uma vida digna para todas as mulheres e o respeito a uma série de direitos fundamentais que lhes são atribuídos por documentos como a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Constituição Federal.

A revisão de uma legislação anacrônica – que se mantém intocável por quase 60 anos à custa da inflexibilidade moralista dos setores políticos alinhados à Igreja –, atende às recomendações de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, que já debateram a temática dos direitos reprodutivos em diversos tratados e convenções internacionais e conclamaram os governos do mundo inteiro a rever suas políticas de planejamento familiar e reprodutivo de forma a não punirem as mulheres pela inadequação dessas políticas às suas
realidades.

Entendemos que qualquer mudança no PNDH III representará um retrocesso para a democracia brasileira e para o sistema de construção participativa das políticas públicas, significando a negação das vozes e lutas travadas ao longo de décadas pelos movimentos de Direitos Humanos e dos Movimentos de Mulheres, seu respaldo no direito constitucional e internacional e sua legitimidade na construção de um documento que, acreditava-se, marcaria um momento de maturidade política e liberdade democrática em nosso país.

Por isso, nós, da AMB, afirmamos que nos manteremos atentas e firmes em nosso apelo por coerência, justiça e respeito à vida das mulheres, pois este é um compromisso que precede oportunismos partidários e eleitoreiros. Não podemos admitir seguir vivendo num país onde o direito ao reconhecimento de nossa humanidade é visto como algo menor, que pode ser adiado ou cerceado em prol do conservadorismo moralista de forças políticas fundamentalistas. Nós brasileiras também desejamos, como outras mulheres do mundo, o reconhecimento de nosso direito de escolha, de nossas liberdades individuais e de nossas lutas coletivas!

Articulação de Mulheres Brasileiras

13 de janeiro de 2010