Resposta ao Jornal ATARDE
Por: Cecília Sardenberg
Em julho de 2004, durante a realização da I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, duas mil mulheres, representantes de cerca de outras 300.000 que participaram das Conferências Municipais e Estaduais em todo o país, aprovaram a Legalização do Aborto voluntário no Brasil e sua inclusão no Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Uma significativa e histórica vitória das Mulheres Brasileiras, em defesa de sua autonomia e pelo livre direito de escolha.
Por: Cecília Sardenberg
Em julho de 2004, durante a realização da I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, duas mil mulheres, representantes de cerca de outras 300.000 que participaram das Conferências Municipais e Estaduais em todo o país, aprovaram a Legalização do Aborto voluntário no Brasil e sua inclusão no Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Uma significativa e histórica vitória das Mulheres Brasileiras, em defesa de sua autonomia e pelo livre direito de escolha.
Essa decisão foi reafirmada na II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres em agosto de 2007, por cerca de três mil delegadas presentes.
Vários setores conservadores vêm se articulando para impedir a consolidação dessa grande conquista das Mulheres Brasileiras. Grande parte dessas forças está vinculada a igrejas e religiões, notadamente patriarcais, como é o caso da Igreja Católica, que há mais de dois milênios, sempre sob o domínio dos homens, prega e contribui para a subordinação das mulheres e para o controle do exercício da sua sexualidade, desrespeitando os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, arduamente conquistados.
De fato, nesses últimos anos, aqui no Brasil, setores da Igreja Católica vem-se utilizando os mais diversos ardis, não apenas para impedir que nós, mulheres, desfrutemos desses direitos - a exemplo das muitas tentativas por todo país de proibir, por vias jurídicas e legislativas inconstitucionais, a distribuição da chamada "pílula do dia seguinte" - mas, principalmente, para continuar criminalizando a interrupção da gravidez, valendo-se, para tanto, de estratégias espúrias e condenáveis, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, com a distribuição de fetos de plástico nas missas de domingo com a finalidade de chocar os "fiéis". A matéria assinada pelo jornalista Carlos Alberto Di Franco, publicada na página editorial do Jornal A Tarde de 5/5/2008, segue por esse caminho. Nesse artigo, sob o título "Banalização da Vida", Di Franco vale-se, vergonhosa e despudoradamente, da trágica morte da menina Isabella, que tem chocado a todas e todos nós, com o intuito de ganhar a opinião pública pela condenação ao aborto, assim afirmando: "... para a lógica pró-aborto, Isabella pode ser morta e jogada fora com as bênçãos do Estado, desde que esteja ainda no ventre materno." E continua: "Isabella é uma pessoa. Um embrião e um feto são também uma pessoa, tanto do ponto de vista científico como filosófico." Afirma ele, ainda, que "é falsa a afirmação que o feto faz parte do corpo da mãe". Para ele, nós, mulheres, não passamos de "hospedeiras." Deve ser por isso mesmo – afinal, que importância têm meras hospedeiras? - que o referido autor banaliza a vida das mulheres, não levando em consideração as altas taxas de mortalidade materna registradas no país e na Bahia, em particular, por conta do aborto clandestino. Argumenta ele que embora exista suporte científico para legitimar o status do embrião e feto como "pessoa", a questão se desloca para o plano jurídico efilosófico. Fala ele, aliás, de uma "ética filosófica", esquecendo-se que se trata, pois, de um valor que não é absoluto e sim, historicamente construído – e que historicamente, tal construção tem se valido de uma "ética filosófica" patriarcal, imbuída de uma moral religiosa, que não cabe em um Estado constitucionalmente "laico".Mas há de se compreender porque o Sr. Di Franco assim procede. Ele é consultor em "estratégia de mídia", com doutorado pela Universidade de Navarra, conhecidainstituição criada por St. Josemaría Escrivá de Balaguer, um dos criadores da Opus Dei, organização que tem se mostrado inimiga das mulheres. Aliás, na página da internet dessa universidade, consta que "la Prelatura del Opus Dei presta los medios espirituales y pastorales necesarios para que la Universidad pueda mantener y desarrollar su identidad cristiana."Ora, nós, mulheres brasileiras, não queremos que "la Prelatura del Opus Dei" defina nossas vidas e nossos desejos. Queremos, sim, a implementação do PlanoNacional de Políticas para Mulheres e, com ele, a legalização da interrupção voluntária da gravidez, para que cada uma de nós possa decidir sobre nossopróprio corpo.
Cecília SardenbergDiretora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobrea Mulher – NEIM/UFBA
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